Por: Jessica T. Briano
É na década de 70 que veremos o nascimento do punk, que não quer contestar somente a sociedade, ele quer destruir o otimismo florido e o sonho psicodélico da geração “paz e amor”, o punk está insatisfeito com tudo, com a sociedade, com o rock progressivo, com o comportamento dos, agora, riquíssimos roqueiros que esqueceram suas origens e estão na onda glamour rock, tudo é superproduzido, bombástico e presunçoso. Eles queriam o retorno ao básico.
O punk foi o responsável por essa volta às origens, com uma música simples, ágil, sem grandes aparatos e muito autêntica, era aquela que poderia ser composta e tocada por qualquer jovem.
Punk é uma palavra de origem inglesa que, inicialmente, possuía significados como madeira podre, inepto, sujo, insano, pessoa desqualificada, entre outros. Seu surgimento, contudo, não foi na conjuntura do movimento. Segundo Antonio Bivar, Shakespeare já havia utilizado tal expressão em sua peça Medida por Medida, outro aparecimento foi no filme Juventude Transviada de 1955 (Rebel without a case, direção Nicholas Ray) e, em letra de rock, apareceu pela primeira vez em 1973 na música Wizz Kid, de uma banda pré-punk chamada Mott the Hoople, porém, até esse momento a palavra era usada apenas como substantivo e não como movimento.
A explosão do punk ocorre no final da década de 70, jovens ingleses revoltados e inconformados com a estagnação da sociedade, proporcionaram o surgimento de uma nova corrente musical dentro do rock e de uma nova forma de se vestir que tinha como objetivo chocar e passar uma imagem de violência, externando o que a juventude sofria.
Coturnos, cabelos moicanos, correntes, tatuagens, calças rasgadas, camisetas surradas e os símbolos utilizados (a suástica, o crucifixo de ponta-cabeça), assim como, suas músicas lançavam gritos de raiva, contra o tédio e à frustração da falta de perspectivas. O corpo se transformara no reflexo do mundo, “explicitava-se a violência da sociedade, denunciando-a e, ao mesmo tempo, devolvendo-a simbolicamente contra a ordem social que lhe deu origem”. (CARMO, 2003, p.149)
É evidente que o cenário inglês proporcionou uma nova forma de protesto através do punk, possuindo características e particularidades únicas. Entretanto, a Inglaterra desfrutou de uma grande influência norte-americana, que segundo Fabio Henrique Ciquini, no ano de 1973, já havia produzido um rock rápido e atitudes polêmicas.
Ciquini assinala a importância de bandas como Velvet Undergrund, MC5, The Stooges, New York Dolls e Ramones, para o surgimento do movimento punk. Alguns grupos já possuíam músicas com temas sociais, características pessimistas e que muitas vezes retratavam o lado desprivilegiado da sociedade, outras se restringiram ao som rápido, aos insultos contra o público e as drogas, além de encenações absurdas e da moda e estética que não primava o belo, mas o diferente. O que será marcante no movimento punk.
Contudo, muito mais envolvidos com a música e com a rebeldia sem causa, o cenário pré-punk americano esteve pouco envolvido com a política daquele país, diferenciando-se do punk inglês que terá a sociedade como o alvo direto de suas críticas. “A preocupação dos jovens norte-americanos era sair à noite, ouvir uma boa banda e drogar-se demasiadamente”. Mas não podemos deixar de assinalar o quão importante foram essas mudanças, que começaram nos Estados Unidos, para o surgimento do movimento punk na Inglaterra. (CIQUINI, 2006, p.22)
No entanto, o Sex Pistols considerada a primeira banda punk, segundo grande parte dos teóricos do assunto (Bivar, 1982; Carmo, 2003; Costa, 1993; Ciquini, 2006), foi formada por Malcolm McLaren, um estudante de arte, que após uma viagem à Nova Iorque realizada com o grupo New York Dolls, percebeu que músicas de curta duração, que falassem sobre problemas sociais, juntamente com a inserção da política de confrontos e controvérsias e a transmissão de gestos que demonstrassem atitudes de rebeldia eram extremamente promissoras. Mas, sobretudo que Nova Iorque não era o lugar, e sim, Londres para essas experiências.
Malcolm McLaren era dono de uma loja no bairro de Chelsea (Londres) que já havia mudado várias vezes de nome e de artigos para venda, aliás, foi o local onde conheceu o grupo New York Dolls. Quando volta de sua viagem à Nova Iorque, muda novamente o nome de sua loja, que agora (em 1975) se chama SEX. Malcolm foi o responsável por reunir os Sex Pistols. A primeira formação do grupo foi composta por Steve Jones (guitarra), Paul Cook (bateria) que eram freqüentadores da SEX, Glen Matlock (baixo) que trabalhava na loja – tempos mais tarde será demitido e em seu lugar entrará Sid Vicious – e John Lydon (vocal), que mudará seu nome para Johhny Rotten .
Está formada a banda punk que vai sacudir a sociedade inglesa. Niilismo, idéias libertárias, política de choque, ausência de esperança e drogas, são algumas características marcantes desses garotos, estremecendo a tradicional sociedade britânica e conquistando cada vez mais jovens para um novo som e estilo de vida, para o punk.
Depois dos Sex Pistols, cuja primeira apresentação foi em novembro de 1975, várias bandas vão surgir na cena punk, algumas fortemente influenciadas por eles. 1976 é o ano da revolução do estilo, o visual punk estava em alta, era a moda do momento. No entanto, havia “mais sentimento que consciência”, os jovens punks se identificavam com o estilo, com a música e o comportamento, mas ainda não possuíam a consciência de que faziam parte de um movimento político, até negavam esse engajamento. Mesmo sem essa consciência, o punk já era de certa forma político, na medida em que deixava transparecer ideais anarquistas. (BIVAR, 1982, p.50)
É também ano de 1976 que surgem, o primeiro fanzine (Sniffing Glue – Cheirando Cola, escrito por Mark P.), o primeiro festival punk (20 e 21 de setembro, no Club 100), os primeiros compactos punks (5 de novembro de 76, Damned lança New Rose e 26 de novembro os Sex Pistols lançam Anarchy in the UK). Mas é em 1977 que a explosão punk está a nível mundial, na Inglaterra e Estado Unidos não se fala em outra coisa. Alguns países se mostram apáticos com o assunto como a França e a Itália, enquanto no terceiro mundo, as informações são um tanto distorcidas e nos dão a idéia de banditismo mirim. Depois da apresentação do punk para o mundo, e consequentemente, da exposição do comportamento um tanto exagerado por parte de alguns punks durante shows, com brigas e acidentes, faz com que o movimento se torne sinônimo de vandalismo e má reputação.
No ano de 1978, ocorreu que tudo que é novo começou a ser chamado de New Wave , inclusive o punk, descaracterizando o movimento num processo de “adestramento” por parte das grandes gravadoras. Além disso, temos a separação dos Sex Pistols (em uma viagem de turnê aos EUA). Esses dois eventos balançaram o movimento punk que vai perdendo sua vitalidade. Nos anos seguintes (1979-80) foram intensos os lançamentos de novas bandas consideradas New Waves em todo o mundo, inclusive no Brasil.
Mas, com esses acontecimentos, será que o punk acabou? A mensagem de 1981 é: O Punk não morreu (Punk’s not Dead).
“Não importa que pareçam diferentes entre eles, os contestadores das ruas, os escapistas e os anarquistas, todos fazem parte de um movimento que deflagra uma rebelião adolescente. (...) O punk tem que continuar como o veneno na máquina”. (BIVAR, 1982, p.85-86)
Existem punks por todos os lados em 1981, nos países socialistas e capitalistas, desenvolvidos e subdesenvolvidos. Veremos como o punk surgiu e se consolidou no Brasil.
Para Bivar o berço do punk no Brasil foi a cidade de São Paulo, que por ser a maior do país, é onde as coisas acontecem, as informações são mais acessíveis e onde seria possível um movimento de rebeldia jovem urbana como o punk. O punk de São Paulo não é uma cópia importada, mas uma identificação adaptada à realidade local e surgiu aqui, assim que da Inglaterra, explodiu para o mundo. As primeiras bandas datam de 1978, contudo, foi nos anos 80 que o movimento se consolidou no Brasil.
Mesmo sem estratégias do mercado fonográfico, jovens moradores dos subúrbios e periferias começaram a buscar informações de discos e tendências musicais, que não faziam parte da cultura de massas. Ao identificarem-se com o som, as idéias e o visual punk de grupos ingleses, adaptaram o movimento à realidade brasileira.
Em 1982 já existia uma grande quantidade de bandas:
"Olho Seco, Cólera, Fogo Cruzado, Lixomania, Mack, Suburbanos, Ratos de Porão, Desertores, Passeatas, Ulster, Guerrilha Urbana, Setembro Negro, Juízo Final, Indigentes, Negligentes, Anarcoólatras, Saturados, Anonimato, Agressão, Repressão, Extermínio, Desordem, Detenção, Psykose, Neuróticos, Inimigos e as bandas femininas Skizitas, Zona X e Banda Sem Nome - para citar apenas metade delas." (BIVAR, 1982, p.95)
Em abril do mesmo ano, foi lançado o primeiro disco punk brasileiro em selo independente, Grito Suburbano, que reunia as bandas Olho Seco, Inocentes e Cólera. Ocorreu também o primeiro festival em novembro de 1982, O Começo do Fim do Mundo, no SESC da Pompéia – São Paulo.
O punk internacionalizou-se através da troca de informações entre diversos países. O punk também tentou se amadurecer, com protestos prudentes contra o Sistema, guerras e injustiças sociais. O movimento que se pretendeu construir a partir de 1982, tornou-se incompatível com o niilismo anárquico e violento. Procurou-se “retrabalhar o sentido de anarquia em uma nova direção que estivesse longe da idéia de caos, de destruição, de desordem, de bagunça.” Com o incentivo à leitura de textos escritos por teóricos anarquistas, buscou-se um engajamento político de contestação contra o Estado e contra guerras, e o incentivo para a não utilização de drogas e da violência. (COSTA, 1993, p. 68)
Entretanto, é impossível afirmar uma unidade no movimento punk brasileiro. Em São Paulo, podemos citar as divergências entre os grupos do ABC e Zona Leste contra os grupos do centro da cidade, chamados de punks da city. Muitas vezes essas divergências trouxeram problemas ao movimento como críticas da imprensa (porta-voz do sistema), que passaram à sociedade uma idéia do punk ser constituído de jovens drogados, vândalos e violentos. Talvez esse tenha sido o maior problema do movimento, a falta de consistência e conformidade entre seus participantes, o que permitiu seu esgotamento.
Nacionalmente e internacionalmente o punk foi um movimento extremamente criticado pelo sistema, mas, também foi responsável por influenciar uma série de novos estilos musicais. A tentativa de absorver o punk e descaracterizá-lo culturalmente intensificou-se na medida em que ele ganhava grandes proporções. Contudo, as comunidades subversivas tendem a desenvolver uma tradição de resistência e insubordinação contra a ordem estabelecida. O movimento punk foi inovador e mutável na medida em que o sistema tentou introduzi-lo no mercado de consumo e/ou transformá-lo em algo repugnante. Entretanto, existem punks preocupados com a imagem do movimento e que prezam por ela. É por isso, que ele ainda sobrevive. Punk não é só musica, moda, rebeldia. O punk também é atitude consciente, cultura, ação política, enfim, é um estilo de vida.
BIBLIOGRAFIA:
BIVAR, Antonio. O que é punk. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1982.
CARMO, Paulo Sérgio. Culturas da rebeldia: a juventude em questão. São Paulo: Ed. SENAC, 2003. (p. 124-150)
CIQUINI, Fabio Henrique. Da rebeldia ao consumo: uma análise estética e comportamental da moda e música no movimento punk. 2006. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso – Comunicação Social, habilitação em Jornalismo) Universidade Estadual de Londrina, Londrina.
COSTA, Márcia Regina da. Os carecas do subúrbio: caminhos de um nomadismo moderno. Petrópolis: Ed. Vozes, 1993.
SOUSA, Rafael Lopes de. Punk: cultura e protesto, as mutações ideológicas de uma comunidade juvenil subversiva – São Paulo 1983/1996. São Paulo: Ed. Pulsar, 2002.
TURRA NETO, Nécio. Enterrado vivo: identidade punk e território em Londrina. São Paulo: Ed UNESP, 2004. (p.27-82)
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